Trabalhos acadêmicos

Graciliano Ramos: um diálogo antimoderno com a modernidade

Publicado em 15 d julho d 2007

Luís Eustáquio Soares
Professor de Teoria da Literatura
Universidade Federal do Espírito Santo

 

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Resumen: O presente artigo constitui um estudo sobre os romances de Graciliano Ramos e parte de argumento básico de que sua contemporaneidade advém da presença de afetos, olhares e presenças antimodernas em sua narrativa. Por sua vez, a antimodernidade, em Graciliano Ramos, não apenas nos mostra o quanto a modernidade é avassaladoramente excludente, mas o quanto somos todos antimodernos, quanto mais modernos somos.
Palabras clave: Graciliano Ramos, Romance, Cegueira, modernidade, anti-nodernidade.

Graciliano Ramos escreve nas margens do texto, o lugar mesmo de seu exíguo espaço de escrita. Uma escrita de margens, ao mesmo tempo seca e afetiva. Uma escrita de cárcere, a qual, do cárcere, o autor soube fixar a dificuldade das emendas, das rasuras, das reescritas.

E soube através de um saber ele mesmo de insuficiências, precário, emendado, porque os referentes de sua escrita, seus personagens humanos e inumanos, são eles mesmos emendas e insuficiências, como tudo o mais, uma vez que as cadeias, a bem da verdade, são gerais, porque se inscrevem no limite da vida, como mortais que somos, nos limites das instituições, outras formas de nos aprisionar em valores, percepções, relações e práticas gradeadas; ou no limite da pauta retangular do papel, uma outra cadeia que aprisiona o estilo do escritor, o circunscreve num fora dele, numa precária autonomia, a do texto literário, débil para rasurar essa outra pauta, a do mundo:

Provavelmente fiquei horas a trabalhar desordenadamente (…) As letras se acotovelavam, miúdas, para economizar espaço, e as entrelinhas eram tão exíguas que as emendas se tornavam difíceis. ( RAMOS, 1983, p.23)

Por sua vez, nessa outra margem, nas margens da memória, do tamanho da infância esquecida, um “menino-homem”, em Infância, um narrador, faz emergir a criança que fora, no “menos-um” de ter sido uma criança do esquecimento, da qual ninguém se lembrava.

Daí porque essa escrita nas margens é também uma escrita de margens, apta para resgatar, apresentar a memória de um mundo fora das pautas oficiais e legais, como o da infância pobre, órfã não em função da ausência física dos pais biológicos, mas porque estes estão também na e à margem; são órfãos da modernidade, dela participando como incluídos na exclusão, como menos-valia de um mundo da religião da rentabilidade e da maximização de lucros econômicos, afetivos, sociais, regionais, e outros que tais.

Sob o signo da memória do esquecimento, assim, o menino da infância – num jogo entre rasuras biográficas, que vai da criança, para o adulto e para o pai do adulto – lembra, através da memória do adulto, da pena do escritor, o avô de todos, dado que, como este, também o menino do romance Infância não gosta de urupemas.

Assim, nessa memória geracional da criança, do adulto e do avô; nessa memória afetiva comum, a escrita memorialística não se inscreve na dimensão do gostar, mas na insistência de escrever frustrações, dissabores, margens amargas, pois o narrador de Infância, o narrador de Graciliano Ramos, insensível às críticas, é também aquele que escreve porque “perseverou nas urupemas rijas e sóbrias, não porque as estimasse ( como o avô também não estimava ), mas porque eram o meio de expressão que lhe parecia mais razoável.” ( RAMOS, 1983, p. 23).

Um narrador que procura fixar, no seu exíguo texto, um menino esquecido, como faz Graciliano Ramos em Infância , não poderia deixar de ser, enfim, um escritor que resgatasse o reprimido de seu tempo, a memória inconsciente da modernidade, seu outro sentido.

Diferentemente da leitura de Antônio Cândido, (CÂNDIDO, 1992, p. 34), mas que procurar o sentido do humano, acredito que Graciliano Ramos tenha rascunhado – e aqui os extremos se tocam -simultaneamente o excesso de sentido e a sua ausência, na modernidade, momento em que o humano, ou o sentido do humano, vai deixando de ser sentido, ou ter sentido, dada a excessiva brutalidade inscrita na fúria do progresso, máquina fascista em guerra contra os sentidos de ser e de estar, a qual, no seu desprezo pelo humano, pelo orgânico, pela vida, sobrecodifica a si mesma, se hiper-significa, colando ao humano, à vida, um sinal de menos, um hipo-sinal.

Talvez não seja circunstancial, a propósito, que Otto Maria Carpeaux, em Visão de Graciliano Ramos, tenha registrado que o romancista nordestino não se conforma com nossa civilização artificial e, por isso mesmo, “transforma esta vida real em sonho, pois do sonho afinal se acorda (CARPEAUX, data, p. 33.)” Assim, como num sonho, num pesadelo, melhor dizendo, a solidão, esse outro hipo-sentido, emerge, na perspectiva de Carpeaux, como traço crucial dos personagens de Graciliano Ramos.

Como memória desse hipo-humano, a narrativa de Graciliano Ramos resiste à autoridade do progresso, transformando seu texto em espaço ficcional de exilados da modernidade. No entanto, não se trata de um exílio do fora, mas, paradoxalmente, de um exílio do dentro, uma vez que sua escrita de letras exíguas assim o é porque antes de tudo tem como protagonismo esse outro pouco por excelência da modernidade, o pobre, exilado aqui e em qualquer lugar.

Por sua vez, ao compor um outro lugar de escrita, o do pobre, GR modifica ou desloca o ponto de vista do naturalismo, pois, seu naturalismo não representa – como era comum no século XIX e em boa parte do neo-naturalismo de 30 – a alteridade, o pobre, através de um olhar de fora, do jornalista, das ciências positivistas, do narrador de terceira pessoa, os quais, propondo a distância, a imparcialidade e a neutralidade, bem mais que um discurso universal, científico, contribuíram para um sistema de classificação baseado no limpo, os incluídos da modernidade, e no sujo, os excluídos.

Diferentemente desse olhar naturalista pseudo-imparcial, GR, em seus textos, fez com que a própria alteridade, ao invés de ser vista, de ser representada e designada, apropriasse do olhar naturalista, visse a partir dele, radicalizando-o e transformando-o em olhar cubista, mosaico geométrico, espelho em fragmentos formais, informais, das escritas que borram a modernidade, não permitindo que esta designe o diferente, o pobre, como sujo, posto que, assumindo a função de ver, como sujeito, a escrita memorialista de RG suja o supostamente limpo mundo do progresso, da ciência, das práticas e dos saberes,

Num mundo múltiplo, de vozes deslocadas, secas andarilhas, assassinadas e assassinas de Julião Tavares, de gordas narrativas de sucesso, de periódicos das letras do saber oficial, GR inscreve e escreve um texto mimeticamente múltiplo, potencializando a apresentação dessa imprevista, periférica, cena moderna nordestina, brasileira.

Os heróis de Graciliano Ramos

Quanto a seus heróis, o autor, desde a infância memorada, lançou-se ao mundo do sofrimento alheio. Como em uma passagem de “ O moleque José”, de Infância (RAMOS, 1984, p.88) , a identificação com o moleque punido pelo adulto dominador, faz-se punição para o adulto narrador. Assim, através de seus personagens, o autor assume máscaras, desvelando e ocultando o seu rosto. Sob determinadas condições, Fabiano talvez seria GR, todos seus personagens, como a modernidade mesma, são possibilidades biográficas para ele mesmo, o narrador.

Se é verdade que cada personagem de GR constitui-se em uma espécie de unidade na diversidade – ou vice-versa -, suas polifaces, também me parece lícito pensar a própria modernidade como polifaces, como esses muitos que as escritas das letras tentam apagar. Mas o autor, com sua escrita testemunhal, faz emergir os fantasmas, os “alefs” de sua época, de seu espaço.

Jogo entre memória e imaginação, de desejo e desejado, o texto de GR vai delineando o “porão” de sua época, a partir das contradições de seu desejo narrativo, corpo escrito de espaço marcado por múltiplos tempos, quer dizer, por variadas escritas, diversos corpos. Em Corpos escritos , Wander Melo Miranda fala a respeito do que venho pontuando:

O texto de Graciliano Ramos caracteriza-se,pois, pelo jogo irônico entre memória e imaginação, entre o texto desejado e o desejo do texto, entre as personagens e o modo como é revisto, por si mesmo, enquanto produto de discurso (MIRANDA, 1992, p.58) .

O desejo irrompe, no texto, toda a fúria, instaurando, na linguagem, o discurso fragmentado, chegando a desconstituir a linguagem realista do texto desejado. Uma ambigüidade que se inscreve na escrita do autor, aliás bastante bem apresentada já em seu primeiro romance, Caetés, através da teoria do homem caeté, que explicita, de certa forma, a ética e a estética da escrita de GR.

Caeté figura o que há de mais primitivo no homem, pelo menos sob a perspectiva linear-desenvolvimentista, uma vez que é o que as narrativas míticas do Ocidente civilizado reprime ou desloca para as margens de sua constituição histórica. Caeté é o outro, em sua diferença esfíngica de devorador de certezas ou/ e de ícones de um mundo organizado, fundado pelo mito da ordem instituída. Nesse sentido, faz-se caricatura do instituído:

Dormíamos quase sempre juntos, homens e mulheres, sentados, como selvagens. Muitas necessidades sociais tinham se extinguido; mostrávamos às vezes impaciência, iritação, aspereza de palav0ra (…) Enfim numa semana havíamos dado o salto de alguns mil anos atrás (RAMOS, 1983,p 237).

O caeté, o índio, o próprio do local, o nativo, o mito romântico do ser inviolável, da modernidade inviolável, ambiguamente instaura as brechas neuróticas do civilizado, preso a uma solidão inexorável, mesmo e sobretudo quando em companhia de outros humanos. Assim, o texto de GR estabelece uma ponte desse invulnerável outro com o mesmo civilizado, através da escrita.

Os personagens de GR são solitários. Para o autor, a escrita é que os impulsiona ao outro . Todos seus personagens, e ele mesmo, buscam, através da escrita, o contato consigo mesmo e com o outro, mas o resultado dessa busca incansável é o estranhamento, o sentimento da falta e da ausência.

Paradoxalmente, é através da falta que o contato com o outro torna-se corpo escrito. É ela, a falta, que faz do sujeito um ser pulsante, humano afinal, porque capaz de amar, de odiar.. É a falta que se rebela contra a onipotência da modernidade.

Se o progresso, a modernidade, seria, segundo Walter Benjamin, a anulação da alteridade, impondo-se como incontestável, o sujeito resiste através de sua incompletude, porque deseja ser outro, viver através do outro. Nesse sentido, a presença da falta no humano é que o pode tornar revolucionário.

GR, em suas obras, incorpora uma quase possibilidade de silêncio para seus personagens trágicos, figurando, em sua escrita, um não-lugar caeté, a utopia atópica de Graciliano Ramos. Para resistir à Modernidade, ele propõe a volta ao mundo primitivo . Otto Maria Carpeaux, de novo em Visão de Graciliano Ramos aponta:

Porque o seu criador quer mais do que terra, casa, dinheiro, mulher. Quer realmente voltar aos avós. Voltar à imobilidade, à estabilidade do mundo primitivo. E para atingir este fim, devemos destruir o mundo da agitação angustiada, ao qual está preso (CARPEAUX, 1992, p..32).

O tema do tempo anterior , do passado não museológico, mas arruinado, e arruinando o presente moderno teleológico, é recorrente em Graciliano Ramos, metáfora da cegueira que percorre quase toda as suas obras. É o avô cego de Luís da Silva, em Angústia ; o menino cegado de Infância , o cego que puxa as orelhas de Paulo Honório, quando menino, em São Bernardo. A cegueira torna-se ícone dos não vistos da modernidade e, a um tempo, esses outros, inconsciência dessa mesma modernidade, os quais recusam olhar o movimento canônico do tempo sucessivo, do progresso, neto de um avô negado, força de quem homericamente narra outros acontecimentos.

Para Otto Maria Carpeaux, através da tragicidade de seus personagens, Graciliano Ramos narra o fim do mundo. Entretanto, se a arte de GR é um pesadelo do qual se acorda, se é o fim trágico do mundo, também é reinício, através da recriação de uma nova experiência ética e estética, em cada novo romance.

Em cada obra de GR, há o recomeço de uma vida que se reinventa e um novo fim do que se reinventa, e um novo fim do mundo que se anuncia, resultado do sentido do humano, seca, afeto, solidão, força solitária num mundo de macrorrelatos.

Sua perspectiva ética figura-se no movimento de resistência à modernidade forte, resgatando os singulares, as pequenas narrativas. Essa modulação de escrita já é também um posicionamento estético, à medida em que GR assume a ausência, característica do texto e do indivíduo, elegendo para si uma escrita arrante, que parte da palavra do pai – o realismo, o naturalismo -, desembocando no assassinato do pai, Julião Tavares, ícone da cidade ocidentalmente letrada, processando uma escrita margeada, agreste, no centro de Recife, no centro do mundo moderno.

Trata-se do mito “caeté”, do primitivo ocidentalizado, pastiche de um outro mito: o moderno sucessivo, grandilogüente. Inconstância no mito caricatural da constância tranqüila do progresso.

Em Infância , o autor aponta a inconstância caeté nas figuras humanas. No relato descritivo de uma personagem da infância do narrador-personagem-autor, este se surpreende com a criatura feroz que espancava o menino João:

Onde está Chico brabo? Qual dos dois era o verdadeiro Chico Brabo? Estarrecia-me esse desdobramento. (…) Poucos chegavam, como D. Maria, a apresentar serenidade invariável. (…) Os outros viventes possuíam virtudes e defeitos, com desaires e desolação (RAMOS, 1984, p.148).

Outra característica humana que parece instigar GR é a procura constante de um “ser-aí” marcado pelo seu lugar de classe, de gênero e de etnia, na estrutura fechada de um mundo fechado. Em Infância , o narrador-personagem-autor procura os motivos da dicção masculina do pai, e diz: “Hoje acho naturais as violências, que cegavam (o pai) . Se ele estivesse embaixo, livre de ambições, ou em cima, na prosperidade, eu e o moleque José teríamos vivido em sossego (RAMOS, 1984, p. 30)”.

Mas GR, sendo muitos personagens, muitas outras possibilidades de estar no mundo, pode também vislumbrar possibilidades até mesmo de manifestação de solidariedade humana. Em suas Memórias do Cárcere, fica perplexo, vendo um acontecimento para ele inexplicável: um certo capitão que não concorda com suas idéias, e ainda não lhe propondo nada em troca, oferece-lhe empréstimo. GR relata: “Difícil era conceber que alguém se despojasse voluntariamente, em benefício de um adversário. Essa renúncia da propriedade me entontecia (RAMOS, 1992, p.113)”.

Essa capacidade de despojamento, mesmo numa narrativa do fracasso, de perspectiva maniqueísta, parece inscrever na narrativa de GR, em sua modulação, no seu modo de compor, em paradoxo, o ritmo do humano. Também a solidariedade pode vir de onde não esperamos.

Assim, embora a disposição de ver no outro a possibilidade de emergência de valores relativos à sua condição social, à sua classe, esteja mais visível no último livro de GR, no processo de escrita do autor e dos seus narradores personagens, o significante classe social se torna difuso através da ausência, no texto, de condicionamentos de classe.

Os personagens de GR são seres ambíguos, instáveis como o mito caeté. Não sendo nem bons, nem maus, unindo-os apenas a revolta solitária contra uma força que os arrasta, impossibilitando-os de se relacionar com o outro, privando-os da potência de amar: são as forças da modernidade que impõem hierarquias, impossibilitando uma vida humana mais digna, quase utópica.

Não significa, de outra parte, que GR esteja realizando um diálogo satanizante com a modernidade, elegendo-a como espaço/tempo do mal. O que GR faz, em seus textos, é abrir as brechas da modernidade, desmistificando sua narratividade unidimensional, mostrando que a modernidade não se reduz à lógica sintática de um artigo no singular, mas que são muitas e variadas, uma luta corporal de poder e de espaço, uma “polis” multiplicada, de espaços recortados, na qual o letramento constitui um modo de alfabetização, de aprendizagem da dominação, da barbárie instituída, a barbárie do progresso. Daí o ódio de Luís da Silva às narrativas jornalísticas, aos letrados profissionais.

GR recusa, na insistência de seu texto exíguo, a lógica “narrativesca’ que separa o dentro do fora. Não existe, em sua textualidade, um dentro e um fora. Seus outros personagens, suas outras narrativas, seus outros enredos são parte desse mundo, são outros de um mesmo dentro, agora ampliado, as modernidades.

A prisão, nesse caso, não pode estar só nos muros fechados de uma cadeia , de uma penitenciária, porque, assim, haveria um lugar específico, haveria já o dentro e o fora. Em Memórias do Cárcere, o narrador, ao especular sobre a prisão, reflete sobre a prisão das liberdades, das ruas, de outros lugares escolhidos como espaços de liberdade. Se há prisão aqui, de algum modo o autor diz, é porque, também de algum modo, o mundo todo é uma prisão, um estar preso: “ Naquele tempo a idéia de prisão dava-me quase prazer: via ali um princípio de liberdade, eximia-me do parecer, do ofício, do estampilho, dos horríveis cumprimentos ao deputado e ao senador (RAMOS, 1992, p. 45).

Os personagens, o narrador, o autor estão dentro das prisões institucionais modernas: a escola, o jornal, os adultos, a família, o patriarcalismo, as elites, o estado totalitário. Daí o saudosismo, as constantes e inconstantes genealogias de Angústia, o delírio expressionista de Luís da Silva, o nome enorme do avô, personalíssima memória dos apagamentos de uma modernidade colonizadora, que se autodenomina moderna, pressupondo, assim, ser possível esconjurar as outras vozes, os outros estados de existência que, concretamente, não só existem no agora moderno, mas insistem em emergir, em não desistir, em retomar o nome próprio de sua impropriedade, a narrativa de Graciliano Ramos.

A escrita mesma configura-se como espaço penitenciário, a prisão ficcional da modernidade, de seus personagens, de seus narradores, da expressão dos sujeitos deslocados, de Fabiano, Luís da Silva, Sinhá Vitória, os meninos, a infância de Infância, e a infância memorada dos adultos, dos narradores em primeira pessoa, subjetividade pouca, angustiada, vidas secas/presas da modernidade.

Em Angústia, a cidade e a modernidade são vistas sob o prisma crítico de um dasajustado, Luís da Silva, letrado angustiado, quase um analfabeto enrustido. O movimento da escrita do romance talvez seja uma espécie de estrutura do mundo urbano, em toda sua pluralidade não hegemônica; é a perspectiva urbana que organiza e desorganiza a angústia de GR. O movimento reminiscente, cacofônico, está na perspectiva da escrita da cidade, com sua cacofonia de vozes, de escritas, de possibilidades, de impossibilidades.

GR encena e tematiza a linguagem urbana, a cidade nordestina, de agreste rural, bairro maior, fluxo e refluxo dos que perseguem o sonho da cidade, de sua letra mágica, progressiva, salvação equívoca. Encenando esses mundos, a escrita de GR traz consigo os fantasmas da modernidade, tudo que é ruína, perda, tudo que é singularidade.

GR, ele mesmo, está também na escrita cujos fantasmas vêm à tona, sendo, na sua escrita, aquém e além do narrador, uma espécie de “fantasma-mor”, o bruxo nordestino, coronel sem terras, mas capaz de fazer um barulho fantasmático-biográfico, saudosista, através da escrita, desvelando as neuras da modernidade periférica.

Como bem disse Otto Maria Carpeaux, o mundo, em GR, está fadado a desaparecer. No entanto, como melhor ainda diz, e tem dito, a escrita de GR, o mundo desaparecido está fadado a aparecer.

E já não é mais o fantasma do pai de Hamlet que ressurge, pedindo vingança ao filho, mas sim os filhos bastardos da modernidade grandiloqüente, fantasmas ressentidos, vingança dos cegados, inconsciente moderno da modernidade colonizadora.

Bibliografia do autor.

RAMOS, Graciliano. Angústia.. São Paulo: Record, 1984.

RAMOS, Graciliano. Caetés. Rio de Janeiro: Record, 1983.

RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro: Record, 1984.

RAMOS, Graciliano. Linha torta .São Paulo: Martins Fontes, 1988.

RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere . São Paulo: Record, 1992, vol. 1 e 11.

RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de janeiro: Record. 1985.

RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. São Paulo: Martins Fontes, 1972.

Bibliografia sobre o autor.

BOSI, Alfredo. (org.) Antologia e Estudos sobre Graciliano Ramos. São Paulo: Ática, 1995.

BOSI, Alfredo. Céu, inferno: ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo: Ática, 1988, p. 10 a 32.

BRAGNER, Sônia. (org.) Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1992.

CÂNDIDO, Antônio. Ficção e Confissões: ensaios sobre Graciliano Ramos. Rio de Janeira: Ed. 34, 1992.

MIRANDA, Wander de Melo. Corpos Escritos: Graciliano Ramos e Silviano Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1992.

© Luís Eustáquio Soares 2007

Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid

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