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Graça antes do mito

Publicado em 28 d outubro d 2012

2012: 120 anos de Graciliano    

Gazeta de Alagoas
Por LUÍS GUSTAVO MELO
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Autor que considerava sua escrita medíocre, ainda que “mais ou menos aceitável”, Graciliano Ramos sempre foi seu maior crítico

Qualquer tentativa de definir o estilo literário de Graciliano Ramos (1892-1953) pode passar longe do alvo. Reconhecido como um dos luminares do modernismo, a rigor o autor de obras-primas da literatura brasileira como São Bernardo, Angústia e Vidas Secas não caberia na representação de nenhum movimento específico, muito menos em designações reducionistas. Ainda assim, foi tomado diversas vezes como autor regionalista, classificação tão imprecisa quanto injusta, uma vez que o escritor, jornalista e político alagoano legou para a posteridade uma obra original e influente, cuja perenidade dos temas associados ao universo nordestino se processa numa abordagem absolutamente inédita, que parte do âmbito local para significações mais amplas, tendo em vista questões voltadas recorrentemente para aspectos universais da condição humana, sempre descritos em linguagem mordaz, crua e concisa.

“Esse homem seco e difícil, seco de carnes, econômico em sua literatura da qual eliminou qualquer gordura, cuja amizade era moeda de câmbio alto, reservada para alguns, que começou a escrever já maduro (aos quarenta e poucos anos de idade) e que morreu cedo, em plena força criadora. Esse Graciliano Ramos […] foi um dos homens mais doces e ternos que conheci, um dos mais fiéis amigos. A lealdade era sua virtude fundamental”, escreveu o romancista Jorge Amado no prefácio de uma edição portuguesa de Vidas Secas.

Avesso à autopromoção e bastante crítico em relação à própria obra, Graciliano provavelmente não aceitaria de bom grado a enxurrada de celebrações dedicadas a ele este ano, por conta dos 120 anos de seu nascimento, completados ontem. Além, claro, da recente divulgação de seu nome como homenageado da próxima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em 2013. A efeméride é coroada ainda pelo relançamento, em edição ampliada, da biografia O Velho Graça, de Dênis de Moraes, e pela publicação de Garranchos, antologia de textos inéditos organizada pelo pesquisador paulista Thiago Mio Salla.

TRAJETÓRIA

Primeiro dos 16 filhos do comerciante Sebastião Ramos de Oliveira e de Maria Amélia Ramos, Graciliano nasceu no município de Quebrangulo, no dia 27 de outubro de 1892. Dois anos após seu nascimento, a família do futuro escritor deixou a pequena cidade do agreste alagoano para morar na Fazenda Pintadinho, em Buíque, no sertão de Pernambuco. De volta a Alagoas, em meados de 1904 o jovem Graciliano Ramos passa a residir na cidade de Viçosa, onde com apenas 12 anos começa a escrever para periódicos locais de tiragem e circulação restritas. Em agosto de 1914, aos 22 anos, embarca para o Rio de Janeiro, onde vai trabalhar como revisor dos jornais cariocas Correio da Manhã e A Tarde. Regressa a Alagoas e, usando diversos pseudônimos, colabora como cronista do jornal O Índio, no município de Palmeira dos Índios. Consta ainda que o escritor só passou a assinar com o nome com o qual ficou conhecido em meados da década de 1930.

Antes de tornar-se efetivamente um romancista de renome, Graciliano assumiu o cargo de prefeito de Palmeira dos Índios (1928-1930). Seu famoso relatório de prestação de contas, enviado ao então governador Álvaro Pereira Paes, chamou a atenção do editor Augusto Schmidt, que publicou seu primeiro romance, Caetés (1933). Seu segundo livro, São Bernardo, foi lançado em 1934. Perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas, Graciliano Ramos foi preso em 1936, acusado de suposto envolvimento com o comunismo. Permaneceu encarcerado por dez meses, mesmo sem nenhuma acusação formal contra ele.

Libertado, decide se estabelecer definitivamente no Rio de Janeiro, passando a escrever crônicas, contos e artigos para jornais e revistas, e lança mais alguns livros, a exemplo do infantil A Terra dos Meninos Pelados, Vidas Secas e Memórias do Cárcere. Em 1945, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro, convidado por Luiz Carlos Prestes, a quem dedicou uma crônica despindo-o da imagem do mito, retratando o líder comunista como uma figura de carne e osso. Todas essas facetas e as mais diversas fases da vida e da obra de Graciliano Ramos estão presentes em Garranchos, antologia que reúne 81 textos inéditos escritos entre os anos de 1910 e 1952. Além de crônicas, críticas e discursos, o pesquisador Thiago Mio Salla também encontrou verdadeiras pepitas, entre elas o conto O Ladrão, de 1915, e o primeiro ato de uma peça nunca concluída, Ideias Novas.

Garimpados com esmero e agrupados em ordem cronológica, os textos que compõem a coletânea permitem ao leitor acompanhar diferentes nuances da trajetória intelectual de Graciliano e as questões políticas em que ele esteve envolvido. Entre os escritos compilados, pelo menos cinco jamais haviam sido publicados em livro – o já mencionado conto O Ladrão e os ensaios A Literatura de 30, Jorge Amado, O Negro no Brasil e Revolução Russa. A atuação de Graciliano no Partido Comunista também aparece em uma série de textos, bem como crônicas altamente satíricas e dotadas da mais fina ironia.

Na entrevista elucidativa que você confere nesta edição, o organizador de Garranchos admite à Gazeta que Graciliano Ramos, tão crítico em relação a tudo que escrevia, talvez não gostasse de ver alguns desses textos publicados, ainda que ressalte o valor histórico do material. “Possivelmente ele não gostasse de alguns dos textos. Mas justamente os estudiosos de Graciliano, e quem se interessa por cultura brasileira da primeira metade do século 20, esses podem gostar bastante do material reunido”.

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CONHEÇA A OBRA DE GRACILIANO RAMOS

  • Caetés (1933)
  • Caetés – edição especial 80 anos (2013)
  • S. Bernardo (1934)
  • Angústia (1936)
  • Angústia – edição especial 75 anos (2011)
  • Vidas Secas (1938)
  • Vidas Secas – edição especial 70 anos (2008)
  • Vidas Secas – em quadrinhos (2015)
  • Infância (1945)
  • Insônia (1947)
  • Memórias do Cárcere (1953)
  • Viagem (1954)
  • Linhas Tortas (1962)
  • Viventes das Alagoas (1962)
  • Garranchos (2012)
  • Cangaços (2014)
  • Conversas (2014)
  • A Terra dos Meninos Pelados (1939)
  • Histórias de Alexandre (1944)
  • Alexandre e Outros Heróis (1962)
  • O Estribo de Prata (1984)
  • Minsk (2013)
  • Cartas (1980)
  • Cartas de Amor a Heloísa (1992)
  • Dois Dedos (1945)
  • Histórias Incompletas (1946)
  • Brandão entre o Mar e o Amor (1942)
  • Memórias de um Negro (1940) Booker T. Washington, tradução
  • A Peste (1950) Albert Camus, tradução

“A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso.
A palavra foi feita para dizer.”

em entrevista a Joel Silveira, 1948