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Viagem a vidas secas

Publicado em 10 d dezembro d 2008

IstoÉ
Por ADRIANA PRADO
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Fotos atuais mostram que pouco mudou no sofrimento do sertão nordestino, narrado há 70 anos por Graciliano Ramos em seu romance

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A casa onde o escritor Graciliano Ramos (1892-1953) morou em Viçosa, nas Alagoas, está caindo aos pedaços. No sítio em que ele passou parte de sua infância, na cidade pernambucana de Buíque, só as cercas são as mesmas. Mas a situação de quem vive no sertão desses Estados pouco mudou desde a publicação de Vidas secas seu romance mais famoso que completa 70 anos de lançamento. A saga de uma família de retirantes nordestinos descrita por Graciliano em 1938 não está muito distante da vida contemporânea. Para marcar o aniversário deste clássico literário, a editora Record fez uma luxuosa edição comemorativa (208 págs., R$ 99) com ensaio fotográfico de Evandro Teixeira. Embora tenha notado melhoras nas condições de vida dos sertanejos, o fotógrafo baiano viu e registrou muita pobreza nas cidades por onde o escritor passou. Considerado um dos maiores fotojornalistas do Brasil, Teixeira optou por imagens em preto-e-branco, feitas sem o uso de filtros, só com a luz natural do escaldante semi-árido:

“Não faria sentido mostrar o sertão de Graciliano Ramos colorido, porque ele é dramático. Vi muita miséria, mas encontrei também um olhar de esperança no futuro.”

Cada uma das imagens reitera o destino dos nordestinos pobres, com suas vidas cheias de limitações e sacrifícios e vazias de recursos. Há algumas mudanças, claro, mas não no conteúdo tratado em Vidas secas. Hoje, em vez de passar horas no lombo de um jegue para buscar água nos açudes, muitos sertanejos já contam com a conveniência das motocicletas, como observou Teixeira. Mesmo nos cantos mais afastados, uma antena parabólica conecta seus habitantes ao resto do mundo. “Estava tirando fotos de uma família quando as meninas vieram para cima de mim. Queriam se ver na máquina. Perguntei como elas sabiam que isso era possível.

Tinham visto na televisão”, lembra, referindo-se à sua câmera digital. Aos 72 anos, o fotógrafo viajou acompanhado apenas de um motorista. Como está acostumado a ir para o sertão pelo menos um vez por ano, conhecia boa parte das cidades onde Graciliano Ramos viveu, como Quebrangulo (onde nasceu), e Palmeira dos Índios, da qual foi prefeito. Usou essa experiência para encontrar Célio Roco, um vaqueiro de 102 anos que trabalhou no sítio Pintadinho, em Buíque. “Ele lembrava do Graciliano, disse que era um menino levado, mas muito inteligente”, afirma. Vidas Secas foi primeiramente publicado aos pedaços. Um deles era um conto sobre a morte de uma cadela, que viria a ser o nono capítulo do livro, intitulado Baleia. Os textos sobre a família que de tempos em tempos é obrigada a fugir da seca foram escritos em uma pensão do Rio de Janeiro e só reunidos em um único volume em 1938. Ao mesmo tempo que narra a saga de Fabiano, a mulher, os dois filhos e a cachorra Baleia, Graciliano Ramos aborda a atmosfera de imobilidade que até hoje envolve o sertão. O romance está em sua 107ª edição – e já vendeu mais de um milhão e meio de exemplares.

“Ele deu voz aos marginalizados, que podem ser do sertão ou de uma favela. O livro levanta uma reflexão sobre a exclusão, um tema atualíssimo. Fabianos, sinhás Vitória e meninos há muitos por aí”, argumenta o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Wander Melo Miranda, também organizador da reedição da obra. “Passados 70 anos da publicação do livro, tudo mudou e nada mudou de verdade.” Essa edição ilustrada é a maior prova.

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“A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso.
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em entrevista a Joel Silveira, 1948