mar.12: Um mês ruim
Publicado em 01 d março d 2012
Graciliano é preso a 3 de março de 1936. Anos depois, em 1953, falece no amanhecer do dia 20 de março. Trinta e nove anos depois, em 1992, Ricardo, seu filho, morre também ao amanhecer do mesmo dia 20 de março.
Inserimos neste espaço um pequeno texto de Ricardo Ramos, extraído de seu livro “Graciliano: retrato fragmentado”, depoimento emocionado da criança de sete anos repentinamente afastada do convívio com seu pai, quando levado à prisão em 1936.
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“Ele de pijama, escrevendo, entrevisto à distância curvado sobre a mesa, que ficava depois de um largo espaço, parecia, lá perto da janela, claridade, rua da Caridade. Ele de paletó, gravata e chapéu, saindo para o trabalho, calado, cabeça baixa, composta figura angulosa cruzando porta, portão, ganhando a calçada. Ele de calção de banho, nadando comigo agarrado ao seu pescoço, Pajuçara, pelo mar verde que chegava até os arrecifes, a piscina rasa de areia branca onde havia conchas. A me mandar comprar três maços de Selma no botequim da esquina, eu podia gastar o troco em balas que traziam figurinhas. A me chamar para um jogo, um livro mostrado, eu seguia seus dedos fortes capazes de amassar sem esforço tampinhas de garrafas. A me dar um piparote na orelha, me assanhar o cabelo, eu sempre era pego de surpresa e ria também. Até que um dia sumiu, silêncio, pois nunca me falavam dele.”
Ramos, Ricardo – Graciliano: Retrato Fragmentado, Editora Globo, 2ª edição, 2011
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