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Casmurro, mas genial Graciliano

Publicado em 20 d outubro d 2014

No Jornal do Commercio
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“Conversas com Graciliano Ramos” é o novíssimo lançamento da Editora Record, um verdadeiro presente em forma de entrevistas organizadas por Ieda Lebensztayn e Thiago Mio Salla e que nos permite conhecer mais do grande romancista nascido a 27 de outubro de 1892 e considerado o mestre do Regionalismo.

No livro o próprio Graciliano fala da construção de seus personagens, da inspiração nascida com a seca, a vida dura de cada nordestino, a miséria, o abandono político e literário de um povo ignorado pelos governos, que se vê obrigado a vagar pelos sertões deixando casa, vendo o gado morrer e as cabras se acabarem pela fome. A própria família do romancista mudou de cidade várias vezes, “peregrinando” pelo interior do Nordeste, segundo o próprio disse. “Menino judiado, poeta fracassado, revisor de jornais, negociante próspero no interior, prefeito municipal, funcionário público de categoria”, tudo isso ele foi, dito pelo escritor, que não se considerava escritor, não gostava de pertencer ao Modernismo e, era categórico ao afirmar que o Modernismo fracassou, em resposta à pergunta de Osório Nunes, e acrescentou, “o Modernismo abriu caminho não só às mediocridades como também à autêntica burrice. Todo indivíduo que não sabia ou não podia escrever certo, agarrou-se a liberalidades e extravagâncias”. E ainda afirmou: “não gosto de nenhum dos meus livros e, na literatura do mundo inteiro, para mim o maior livro não é um livro de literatura e sim a Bíblia. No entanto gosto de Cervantes, Rabelais, Balzac, Tolstói e Dostoievski. No Brasil entre os romancistas aprecio Jorge Amado, José Lins do Rêgo e Raquel de Queiroz. Ainda, entre os cronistas, prefiro Machado de Assis, João Alphonsus e Marques Rebelo”.

O autor de “Angústia” era um desses tipos comuns no sertão nordestino, casmurro, introvertido, para usar uma expressão corrente, um homem difícil de ser abordado. Frequentava um canto nos fundos da Livraria José Olympio, no Rio de Janeiro, e lá os repórteres o abordavam para entrevistas nem sempre concedidas, mas, em uma dessas concessões o repórter da Folha da Manhã, em 1949, conseguiu uma entrevista com Graciliano com a promessa de que publicaria realmente tudo o que ele dissesse. Falando a respeito dos rumos da literatura disse, “a literatura é uma superestrutura e estamos assistindo à maior revolução social que o mundo conheceu. Tudo é imprevisível. A revolução trará forçosamente uma modificação na arte”. Quando questionado a falar de sua vida, dizia já ter falado tudo através do seu livro “Infância”, mas acrescentava: “Não tenho saudade de nada. Não tenho predileções por nenhum prato. Odeio esportes. Não gosto de praias. Detesto viagens. Sou um animal sedentário; nasci para ostra: caramujo. Não tenho preferência por nenhuma cidade, por nenhum bairro. Vivo bem onde estou. O que não quero é mudar-me. Ainda hoje estaria lá nos sertões das Alagoas se não viesse preso num porão de navio, sem pagar passagem…”.

Esse era Graciliano Ramos, autor de “Vidas Secas”, que com muita sensibilidade conseguiu escrever um livro falando de cinco personagens: um homem, uma mulher, dois filhos e a cadelinha Baleia, em uma velha cozinha, de uma fazenda em ruinas. Descrevia como ninguém a vida dura do sertanejo e, nos emociona até hoje. “Conforme declarei, Madalena possuía um excelente coração. Descobri nela manifestações de ternura que me sensibilizaram. E, como sabem, não sou homem de sensibilidades” ou “cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra nessa casca espessa e vem ferir a sensibilidade embotada”, escreveu em “São Bernardo”.

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CONHEÇA A OBRA DE GRACILIANO RAMOS

  • Caetés (1933)
  • Caetés – edição especial 80 anos (2013)
  • S. Bernardo (1934)
  • Angústia (1936)
  • Angústia – edição especial 75 anos (2011)
  • Vidas Secas (1938)
  • Vidas Secas – edição especial 70 anos (2008)
  • Vidas Secas – em quadrinhos (2015)
  • Infância (1945)
  • Insônia (1947)
  • Memórias do Cárcere (1953)
  • Viagem (1954)
  • Linhas Tortas (1962)
  • Viventes das Alagoas (1962)
  • Garranchos (2012)
  • Cangaços (2014)
  • Conversas (2014)
  • A Terra dos Meninos Pelados (1939)
  • Histórias de Alexandre (1944)
  • Alexandre e Outros Heróis (1962)
  • O Estribo de Prata (1984)
  • Minsk (2013)
  • Cartas (1980)
  • Cartas de Amor a Heloísa (1992)
  • Dois Dedos (1945)
  • Histórias Incompletas (1946)
  • Brandão entre o Mar e o Amor (1942)
  • Memórias de um Negro (1940) Booker T. Washington, tradução
  • A Peste (1950) Albert Camus, tradução

“Apareça o filho da puta que disse que eu não sabia montar em burro bravo!”

Em bilhete enviado a Chico Cavalcanti, aceitando a candidatura a prefeito de Palmeira dos Índios – AL, 1927 (O Velho Graça, Dênis de Moraes, Boitempo, pg. 61)