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Conversas de um mito

Publicado em 13 d outubro d 2014

Por Stella Bonici
para o Jornal da USP online
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Publicação reúne conversas, depoimentos e anedotas de um dos maiores nomes da literatura brasileira Graciliano Ramos

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“Escrever é falar só: observar a si e ao mundo, experimentar sofrimentos, remoer impasses na consciência, debruçar-se sobre a escolha de palavras e a composição de frases, embrenhar-se em emendas textuais, conceber personagens e conviver com elas e seus conflitos.” O escritor que “falou só” de maneira exemplar, e também falou em conjunto, numa série de entrevistas e depoimentos, ganha uma compilação que retrata sua trajetória artística, e de vida. Conversas, projeto com parceria de Ieda Lebensztayn e Thiago Salla, reúne 25 entrevistas, 20 depoimentos, e cerca de 20 anedotas de Graciliano Ramos.

O primeiro contato de Thiago Salla com o autor veio no ensino médio através de Vidas Secas e aumentou ao ingressar no curso de Jornalismo, aproveitando a ponte que existe entre Jornalismo e Literatura para estudar mais a finco o autor. Começou na sua área, pesquisando sobre o Graciliano jornalista, e aos poucos foi descobrindo textos inéditos do autor, o que resultou, posteriormente, em sua primeira publicação, Garranchos, de 2012. Uma coisa levou a outra e, em seguida, Thiago ingressou na Faculdade de Letras da USP, onde começou uma busca em periódicos que tinham alguma ligação com Graciliano Ramos, como a revista getulista Cultura Política, em que autor participava como articulista e revisor da sessão Quadros e Costumes do Nordeste.

Paralelamente a esse trabalho, Ieda desenvolvia uma pesquisa com a revista Novidades, cujos colaboradores eram formados pela nata intelectual alagoana como o próprio Graciliano, Zé Lins do Rego e Aurélio Buarque de Holanda. A partir daí, os dois se conheceram e decidiram fazer, em conjunto, essa compilação que resultou em Conversas. A obra é dividida em três partes: entrevistas, depoimentos e anedotas. A primeira entrevista que Graciliano deu a imprensa aconteceu quando o autor tinha apenas 17 anos, em 1910, e listou, com muita erudição, suas impressões sobre O Guarani, de Adolfo Caminha. Sua segunda entrevista vem, no entanto, apenas em 1938, após a publicação de Vidas Secas, revelando que o interesse do público veio, de fato, apenas depois desse livro.

“Nas entrevistas, você tem um pouco de tudo. Graciliano fala das próprias obras, retoma sua trajetória. Conta, por exemplo, depois de 1945, que é quando ele entra no Partido Comunista, do período em que ficou preso, seu contato com Olga Benário, mulher de Luís Carlos Prestes, e de como acompanhou o processo da deportação dela e de sua morte. Ele retoma esses elementos, se coloca politicamente a favor do partido comunista”, diz Thiago. Quanto aos depoimentos, são uma espécie de comentários sobre temas diversos da época. “Graciliano tem uma personalidade um pouco mais introvertida, só que ele não se furtava em emitir opiniões, e gerar opiniões com muita contundência sobre os mais variados assuntos”, afirma o organizador.

Já na parte das anedotas, uma série de causos envolvendo Graciliano eram contados por jornalistas, que reproduziam frases do autor visto como um personagem. Segundo Thiago, naquela época, o escritor de Vidas Secas se torna um personagem quase que folclórico, havia deixado de ser uma celebridade e estava se transformando em mito. Outro fato interessante dessas anedotas é que, além de mostrarem a personalidade de Graciliano, uma pessoa cáustica e irônica, os causos também dizem muito a respeito do universo cultural, intelectual e político daquela fase histórica. Os autores de Conversas também quiseram expor as diferentes formas de se contar um fato, mostrando causos diferentes sobre a mesma história.

A publicação também ganhou a exposição “Conversas de Graciliano”, no Museu da Imagem e do Som (MIS), com curadoria de Selma Caetano. Divida em quatro partes, a mostra expõe, com depoimentos de terceiros, vídeos e uma série de imagens, a infância e juventude de Graciliano Ramos, que vai de 1892-1926, o início de sua carreira de homem letrado, de 1927-1935, percorrendo suas primeiras publicações e seu ingresso no Partido Comunista, entre 1936-1945, e terminando com o escritor se transformando em um artista de renome até a sua morte, em 1953.

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Conversas, de Ieda Lebensztayn e Thiago Salla
(Editora Record, 420 págs., R$ 58,00).
A exposição “Conversas de Graciliano” fica em cartaz até 9 de novembro, terças a sextas, das 11h às 21h, sábados das 9h às 23h, e domingos e feriados, das 9h às 20h, no MIS (av. Europa, 158, tel. 2117 4777). Grátis.

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Em bilhete enviado a Chico Cavalcanti, aceitando a candidatura a prefeito de Palmeira dos Índios – AL, 1927 (O Velho Graça, Dênis de Moraes, Boitempo, pg. 61)