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Graciliano Ramos tem seu lado irônico revelado em livro de entrevistas

Publicado em 12 d outubro d 2014

Manuel da Costa Pinto
para a Folha de S. Paulo
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Calado e taciturno no limite da rispidez e do mau humor. Essa imagem pública de Graciliano Ramos condiz com o rigor ético e o estilo de sua literatura, marcada por uma depuração da linguagem que reduz o existente a sua dimensão mais brutal.

“Conversas”, livro inédito com entrevistas e depoimentos do escritor alagoano, retoca esse retrato árido do autor de “Vidas Secas”.

Vários de seus entrevistadores relatam a dificuldade de marcar um encontro com Graciliano, sempre avesso à mundanidade da vida literária –para em seguida, vencida a resistência, notarem o caráter afável de suas respostas. É o caso de Joel Silveira, que conseguiu extrair um precioso relato de próprio punho do escritor, em “Graciliano Ramos Conta Sua Vida”.

Em contrapartida, José Guilherme Mendes narra como cada uma de suas perguntas era “respondida quase como a chicotadas”.

A reportagem vale pela sinceridade masoquista com que Mendes relata “a sova do romancista no jornalista” e pelo perfil terminal de Graciliano, corroído pelo câncer de pulmão e enrolando cigarros com dedos amarelecidos.

A célebre rejeição de Graciliano ao modernismo surge em vários momentos, mas é nuançada em conversa de 1942 com Osório Nunes: “Enquanto a poesia adquiria expressão, o romance modernista não tinha conteúdo. Creio, entretanto, que se não houvesse a independência do modernismo, José Lins do Rego não teria conseguido realizar o seu romance”.

E a matéria venenosa de um salazarista português (que atribui a ele críticas ao comunismo e a Erico Verissimo) vem acompanhada de várias entrevistas com desmentidos indignados do escritor –tudo, contexto e biografias dos envolvidos, explicado em notas bibliográficas cuja precisão deveria servir de modelo para nosso meio editorial.

O volume traz ainda enquetes das quais Graciliano participou e causos nos quais diferentes interlocutores relembram suas tiradas sarcásticas.

Entre as narrativas anedóticas, está um diálogo dos anos 1930 com o então governador de Alagoas. Quando este conclui suas promessas vazias com a frase grandiloquente “Essa é minha última palavra”, Graciliano despacha o político dizendo: “A minha é adeus, Excelência”.

Diante de conversa fiada, o velho Graça não continha a língua afiada.

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CONVERSAS
ORGANIZAÇÃO: Ieda Lebensztayn e Thiago Mio Salla
EDITORA: Record (420 págs., R$ 58)

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CONHEÇA A OBRA DE GRACILIANO RAMOS

  • Caetés (1933)
  • Caetés – edição especial 80 anos (2013)
  • S. Bernardo (1934)
  • Angústia (1936)
  • Angústia – edição especial 75 anos (2011)
  • Vidas Secas (1938)
  • Vidas Secas – edição especial 70 anos (2008)
  • Vidas Secas – em quadrinhos (2015)
  • Infância (1945)
  • Insônia (1947)
  • Memórias do Cárcere (1953)
  • Viagem (1954)
  • Linhas Tortas (1962)
  • Viventes das Alagoas (1962)
  • Garranchos (2012)
  • Cangaços (2014)
  • Conversas (2014)
  • A Terra dos Meninos Pelados (1939)
  • Histórias de Alexandre (1944)
  • Alexandre e Outros Heróis (1962)
  • O Estribo de Prata (1984)
  • Minsk (2013)
  • Cartas (1980)
  • Cartas de Amor a Heloísa (1992)
  • Dois Dedos (1945)
  • Histórias Incompletas (1946)
  • Brandão entre o Mar e o Amor (1942)
  • Memórias de um Negro (1940) Booker T. Washington, tradução
  • A Peste (1950) Albert Camus, tradução

Queria endurecer o coração, eliminar o passado, fazer com ele o que faço quando emendo um período — riscar, engrossar os riscos e transformá-los em borrões, suprimir todas as letras, não deixar vestígio de idéias obliteradas.

Memórias do Cárcere, cap. 5