O golpe no crânio: Graciliano Ramos e Getúlio Vargas*
Publicado em 11 d abril d 2013
Do blog Transversos
Por ALINE SILVA
Link original
Os romances de Graciliano Ramos vieram a público nos anos 30, período profundamente marcado pela manutenção do poder por parte de Getúlio Vargas, primeiro como chefe do Governo Provisório, de 1930 a 1934, por conta do golpe de estado, também conhecido como Revolução de 1930, depois como Presidente da República do Governo Constitucional, de 1934 a 1937, tendo sido eleito pela Assembleia Constituinte e, finalmente, de 1937 a 1945, em decorrência de novo golpe de estado, o chamado Estado Novo. Entre 1951 e 1954, Vargas retorna ao poder, desta vez eleito pelo voto direto, apoiado, entre outros partidos, pelo PCB, ao qual o escritor alagoano se filiou em 1945.
Economicamente os anos 30 são marcados pelas consequências d’A Grande Depressão e pelo New Deal. Profundamente influenciado pela política de Franklin Roosevelt, Vargas, que sucedeu Washington Luís na presidência da república após o exílio compulsório deste, apostava nas mesmas providências econômicas do plano econômico americano, além de tomar medidas coercitivas na política como a dissolução das assembleias estaduais e a submissão do Supremo Tribunal à tutela do poder. Para justificar a coerção, o presidente alegava a necessidade de “purificar” as instituições, que se encontravam contaminadas pela corrupção da República Velha e, vale ressaltar que, ao contrário do que muitos creem, as tais medidas coercitivas não fazem parte do repertório de ações apenas do Estado Novo, e sim estavam presentes desde o primeiro mandato do presidente gaúcho.
Certa ambiguidade constitutiva do governo pode ser apontada pela justaposição entre autoritarismo e atendimento das demandas da classe trabalhadora, bem como pelas sucessivas tentativas de cooptação de lideranças intelectuais do período. Não se podem negar os avanços decorrentes do conjunto de medidas que buscava alterar as relações de trabalho, mas o perigo reside em entendê-las como concessão do “pai dos pobres” e não como árdua conquista obtida por força das lutas trabalhistas levadas adiante, em especial graças às influências anarquistas dos imigrantes europeus que vieram compor a mão de obra especializada necessária, mas ainda pouco existente no país. O governo partia do pressuposto de que tais “concessões” junto com a intervenção na organização sindical auxiliariam no refreamento dos conflitos entre capital e trabalho presentes no mundo moderno. Já em relação à intelectualidade, fragilizada financeiramente como sempre em terras brasileiras, o governo oferecia cargos públicos sem nenhuma exigência clara de apoio ideológico – o que estava nas entrelinhas custava aos beneficiados o tormento entre a livre expressão de suas convicções e o exercício de um ofício que não prescindia da lealdade.
Nesse cenário, muitos intelectuais puderam dar continuidade aos trabalhos literários empreendidos, por exemplo, por conta da segurança financeira obtida pelo desempenho de um cargo público, como foram os casos de Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Ciro dos Anjos. Tal desempenho profissional, no entanto, não tragava as convicções ideológicas dos intelectuais, que, como mencionado por Graciliano em Memórias do Cárcere, ainda podiam mexer-se nos estreitos limites entre a sintaxe e a Delegacia de Ordem Pública e Social.
Dentre o público em geral, pode-se dizer que Graciliano Ramos colhe certo refreamento do conforto almejado. O autor alagoano constrói narrativas que despertam o leitor de qualquer resquício de segurança rumo à indagação constante dos limites. É leitura de nos morder e picar, de golpear o crânio, como falava Brecht, mas, ao que me parece, pão e circo vendem muito mais.
—–
* Deixarei para tratar da prisão de Graciliano oportunamente.
Veja mais na categoria Artigos